Mídias, minorias e a pergunta que não quer calar
No mundo contemporâneo, grupos sociais e pessoas comuns encontraram nas redes de relacionamento e comunicação, como o Orkut, o Twitter e o YouTube, um espaço jamais concedido pelas mídias tradicionais (TV, jornal, revista e rádio). Trata-se de um fato marcante, que distingue bem os tempos atuais, onde pequenos comunicantes podem postar mensagens, vídeos e tudo mais, sem pedir permissão para os grandes. O sociólogo Zygmunt Bauman afirma que estamos substituindo o modelo Panóptico[1] pelo conceito de sinóptico: muitos observam poucos que expõem a profusão e fluidez dos desejos e preferências dos indivíduos, dos grupos e da sociedade. É o tempo das tribos, como observa Michel Maffesoli. Os fatos, para que se tornem notícias, não precisam passar necessariamente pelo crivo das indústrias de comunicação. Essa possibilidade de compartilhar o poder de postar e ter acesso à informação rearticulou as relações das mídias tradicionais com o grande público. Não seria tão fácil, por exemplo, a Rede Globo omitir ou tentar contar do seu jeito, o movimento “Diretas já”, ocorrido entre 1983 e 1984, quando não havia internet, se o mesmo acontecesse agora. Decerto, receberia o selo da falta de credibilidade ou da incompetência jornalística. Quem viveu aquela época sabe muito bem o que aconteceu e quem não a viveu poderá saber por meio do Google.
Hoje, as grandes mídias tentam um diálogo mais transparente e democrático com o público que, em razão dessas mudanças, adquiriu maior autonomia de escolha. Entretanto, essa condição não veio em decorrência das leis abstratas da democracia, mas surgiu pelo jogo de concessões do consumo. São essencialmente consumidores os que compõem o público das mídias. Desta forma, elas procuram atrair todos eles, dialogando com a grande massa e também com as chamadas “minorias sociais”, não desejando perder nenhuma fatia desse atraente bolo, por mais diversificado que seja.
Assim, atualmente, por exemplo, abraçam a causa dos homossexuais, em razão da PL 122. Ora, qualquer pessoa com um pouco de sensatez não irá aceitar qualquer forma de discriminação. Todavia, o que se percebe, também com um pouco de sensatez, é que as mídias sempre escolheram grupos de pessoas, cor de pele, etnias etc., preferindo umas e rejeitando outras. Usando apenas a TV, basta traçarmos um histórico das propagandas, novelas e programas que foram veiculados durante os últimos quarenta anos para identificarmos as preferências (“preferências” é a tentativa de usar um eufemismo). E no caso específico da homofobia, quantos personagens gays foram estereotipados na TV na busca pela audiência para os telespectadores rirem e, obviamente, também discriminarem? Como aconteceu durante as “Diretas Já”, a ideia é omitir ou interpretar o fato com parcialidade. Assim, foram os religiosos ou “fundamentalistas religiosos” ou a Bíblia que fomentaram sentimentos de intolerância. Se olharmos apenas para a história, veremos que se trata de um argumento falho, já que foi Jesus – o fundador do cristianismo, respeitado até pelos mulçumanos – o primeiro homem a chamar para si os excluídos da sociedade: leprosos, deficientes, pecadores, marginalizados, crianças, mulheres e tantos outros, antecipando-se em quase dois mil anos a movimentos que só ganhariam força na segunda metade do século XX. Além disso, não foram os evangélicos ou os judeus, os católicos ou os mulçumanos que usaram durante décadas a TV para fazerem piadas de gays e bissexuais, disseminando rejeição e afastamento social. Com efeito, se há na sociedade alguns conceitos, pressupostos ou preconceitos que façam pessoas preterirem uns e outros, as mídias possuem substancial responsabilidade nisso, principalmente a TV. Daí a pergunta que não quer calar: alguém acredita que as mídias estão realmente preocupadas com a causa de alguma minoria?
[1] O projeto Panóptico de Jeremy Bentham (1748 – 1832), jurista e filósofo inglês, idealizava uma prisão modelo e um plano para todas as instituições educacionais, de assistência e de trabalho, como solução para os problemas do encerramento e o esboço de uma sociedade racional e de controle. Sua constituição física era representada por uma torre no centro das prisões de onde um único vigia podia observar e controlar os movimentos de todos os encarcerados.
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